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Paulo Cesar Fernandes

Navegando pelo 'Vale da Morte' da Biotecnologia


Por Paulo Fernandes & Lucas Ariel Fernandes


A indústria de biotecnologia enfrenta atualmente desafios significativos, especialmente para empresas em estágio inicial que tentam atravessar o complexo "Vale da Morte". Esse termo se refere à fase crítica em que startups de biotecnologia, repletas de potencial inovador, lutam para garantir o financiamento e o suporte necessários para progredir da descoberta ao desenvolvimento clínico e, eventualmente, à entrada no mercado.

Historicamente, essa fase tem sido perigosa devido aos altos custos de desenvolvimento de medicamentos, longos prazos e a incerteza do sucesso científico. Esses fatores têm tornado os investidores cautelosos, muitas vezes levando à falta de suporte financeiro justamente quando ele é mais necessário. Como resultado, muitas biotecnologias promissoras não avançam, não por falta de potencial, mas porque não conseguem superar o abismo financeiro entre a pesquisa inicial e a viabilidade comercial.





Acesso à financiamento para essas empresas


As condições recentes do mercado exacerbaram esse desafio. Embora a inovação no setor de biotecnologia esteja florescendo—com avanços em áreas como descoberta de medicamentos impulsionada por IA, medicina personalizada e terapias complexas—conseguir financiamento tornou-se cada vez mais difícil. Os mercados públicos estão retraídos, e os capitalistas de risco tradicionais estão mais cautelosos, priorizando empresas em estágio avançado com ativos clínicos comprovados e com potencial mercado de US$ 1 bilhão de dólares no primeiro ano de venda (um novo blockbuster com o ozempic) em detrimento de startups em estágio inicial que ainda estão em fase de desenvolvimento.


Esse ambiente criou uma divisão acentuada no cenário biotecnológico. De um lado estão as empresas em estágio clínico, bem financiadas, que avançam suas pipelines rumo à aprovação regulatória. Do outro, estão as startups em estágio inicial, que, apesar de suas abordagens inovadoras e potencial para terapias revolucionárias, lutam para atrair o investimento necessário para impulsionar seus projetos.    


Apesar desse cenário de escassez, ainda existe espaço para grandes rounds  de investimento, como é o caso da Mirador Therapeutics e BioAge Labs, que levantaram US$ 400 e 170 milhões de dólares respectivamente, em março deste ano.¹ Empresas como a CG Oncologia e a Kyverna Therapeutics levantaram cerca de US$ 300 milhões de dólares com o IPO, ainda que uma sombra de outros tempos, mostra que para empresas posicionadas em áreas estratégicas e em estágio avançado de desenvolvimento, existe oportunidade, a exemplo da HI-BIO, empresa que desenvolve imunoterapia para doenças autoimunes avançadas, em fase clínica com estudos em fases II e III e que foi adquirida pelo Biogen por US$ 1.8 bilhão de dólares.     Qual o ‘’segredo’’, se é que existe, para garantir grandes captações e aquisição ?


Que tipo de soluções podem ser encontradas


Para que essas startups possam superar esses desafios, é crucial contar com provedores de serviços que tenham o tamanho certo, que ofereçam modelos de compensação flexíveis e inovadores, e que alinhem parte de sua remuneração ao sucesso do projeto. Isso é especialmente importante em países com menos tradição em inovação radical, onde a condução adequada do processo, com apoio de governos, associações, setores e outros stakeholders, é essencial para garantir o progresso. Embora essa seja uma leitura interessante, ainda é raro que dentro do ecossistema existam atores interessados em compartilhar riscos mesmo que de maneira parcial. Isos leva muitas vezes com que etapas fundamentais no processo de desenvolvimento, frequentemente aquelas associadas à conformidade regulatória sejam de alguma maneira negligenciadas o que a futuro atrasa ou inviabiliza o progresso no desenvolvimento de algumas dessas inovações.


No Brasil, por exemplo, o governo tem fomentado programas que apoiam a inovação com o objetivo de alimentar o Sistema Único de Saúde (SUS). Iniciativas como as encomendas tecnológicas ganham relevante importância e em alguns casos se tornam fundamentais em um sistema de saúde universal, pois garantem que a inovação esteja alinhada às necessidades de saúde pública do país. Além disso, essas encomendas incentivam o desenvolvimento de soluções tecnológicas específicas, que podem ser absorvidas pelo sistema de saúde, promovendo melhorias contínuas e sustentáveis. Essa é uma grande aposta sendo realizada pelo governo brasileiro nesse momento.


No entanto, sinais de recuperação começam a surgir. O número de IPOs de biotecnologia está aumentando, e o capital de risco corporativo está preenchendo algumas das lacunas deixadas pelos VCs tradicionais. Esses investidores estão particularmente interessados em empresas que possam demonstrar um caminho claro para o sucesso clínico, especialmente em áreas terapêuticas de alta demanda, como oncologia, neurologia e obesidade. O papel das parcerias estratégicas e colaborações também está se tornando mais proeminente, à medida que as empresas buscam soluções econômicas para enfrentar os desafios financeiros do desenvolvimento de medicamentos.





O que vem por aí


Apesar das dificuldades, há otimismo na indústria. Investidores experientes reconhecem que a atual desaceleração apresenta uma oportunidade para investir em ativos subvalorizados com potencial de valorização significativo. Além disso, o crescente interesse em IA e outras tecnologias digitais oferece uma nova via para as empresas aprimorarem suas capacidades de P&D, potencialmente encurtando os prazos de desenvolvimento e reduzindo os custos.


Para atravessar com sucesso o Vale da Morte, as empresas de biotecnologia devem não apenas focar na inovação científica, mas também adotar estratégias de negócios mais inteligentes e flexíveis. Isso inclui aproveitar fontes de financiamento não tradicionais, explorar modelos de compensação inovadores que alinhem os interesses de investidores e empresas, e formar alianças estratégicas que proporcionem tanto suporte financeiro quanto operacional.


Conclusão


Em resumo, embora o setor de biotecnologia esteja indubitavelmente enfrentando um período desafiador, há um senso de otimismo cauteloso. Com a combinação certa de inovação, planejamento estratégico, apoio governamental e suporte financeiro, as empresas podem superar os obstáculos atuais e emergir mais fortes, contribuindo para a próxima onda de avanços médicos.



Sobre o Autor Colaborador Lucas Ariel Fernandes



Graduado em Enfermagem pela Universidade Estadual do Piauí, doutor em farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP- São Paulo, atuando na linha de farmacogenômica, doenças metabólicas, esteatohepatite não alcoolica, microRNAs, terapia gênica.

Participou do programa de empreendedorismo Biostartup Lab com a spin off ABL Therapeutics. Participou do programa de empreendedorismo em ciências da vida Emerge Labs. Fundador da empresa Mirscience Therapeutics a qual se dedica atualmente de maneira integral.


Sobre a Mirscience


A MirScience Therapeutics é uma startup de biotecnologia que se dedica ao desenvolvimento de terapias explorando os non coding RNA, focadas em doenças associadas à longevidade. Suas principais áreas de pesquisa incluem condições de atrofia muscular, como sarcopenia e caquexia induzida por câncer, além de doenças metabólicas como a esteato-hepatite não alcoólica (NASH), fibrose hepática.


A empresa utiliza sua plataforma proprietária Goat para identificar alvos terapêuticos específicos e desenvolver oligonucleotideos que atuam em alvos undruggable. Sua molécula mais avançada, MT-29, apresentou resultados promissores em testes pré-clínicos para regenerar massa muscular e reverter a atrofia muscular, oferecendo uma solução para doenças que causam fraqueza e fragilidade muscular.


A missão da MirScience é melhorar a qualidade de vida dos pacientes, oferecendo terapias seguras, específicas e acessíveis, abordando necessidades médicas não atendidas relacionadas ao envelhecimento e doenças crônicas.

 

Referências


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